Hora do almoço, alvoroço em casa, somos muitos a procura de poucos bifes. Salada sempre sobrava, era ruim, por isso sobrava, mas as batatas fritas, essas sempre faltavam. E quem não comia tudo, não levantava da mesa até todo prato estar limpo. Triste rotina para quem tinha desejos de apenas comer o que para seu paladar fosse agradável, ou seja, tudo que não prestava. E o argumento era que, se tudo comesse, saúde, inteligência e disposição para estudar teria. Mas se eu não queria disposição para o estudo deveria ser dispensado do sacrifício. Mas esses argumentos nunca convenceram ninguém e a sofrer, tínhamos de tudo de ruim comer.
Levantar da mesa, escovar os dentes, pentear os cabelos não precisava e colocar o velho e bom companheiro uniforme escolar e ir para a aula. E isso certamente deveria ser considerado trabalho escravo infantil, pois com tanta coisa para ser feita pela rua, qual a graça passar uma tarde inteira a engolir textos e fórmulas esdrúxulas que naquele momento não eram nada divertidos.
Mas tudo o que é ruim não dura para sempre e a se aproximar lentamente para tanta alegria trazer, o bom e querido recreio, como uma dádiva divina, chegava para minha grande alegria. E com que prazer ouvir o ruído da sineta, imediatamente fechar livros e cadernos abertos apenas para cumprir seu papel coadjuvante sobre a classe, levantar apressadamente, e em direção ao pátio, deslizar feito pássaro ligeiro num livre voo sobre largos corredores e escadarias. E realmente era voo, pois do degrau mais alto, um salto acrobático sobre quem já alcançara degraus mais baixos. E era tanta felicidade que uma dorzinha na “cacunda” nem era levado em conta. E entre abraços e empurrões as portas escancaradas conduziam quem apressadamente o paraíso buscava. E entre risadas, conversas e cochichos, o tempo desgraçadamente, infelizmente e por pura injustiça, voava. Entre belas musas, gordas lindas e feias charmosas, a vida do recreio ia sempre transcorrendo como se fosse o último grande momento de nossas vidas. E com uma desproporcional intensidade gozávamos daqueles momentos a nos perguntar se a vida fazia sentido fora do recreio. O final dele, o retorno a sala de aula, o último olhar disfarçadamente dado a quem tanto se queria, a cumplicidade do último assunto, fazia desse momento uma mistura de angustia e ansiedade, que por instantes a vida se curvava parecendo despencar em profundo precipício. E voltar a sala, amarga agonia que somente sumia quando, como em cartola mágica, a velha e conhecida sineta jogava, outra vez, todos para fora do quadrilátero prisional, vulgo sala de aula. Mas o recreio e suas lembranças durante os últimos períodos suplantava a dor. E lembro de uma singela passagem. Atrás do pavilhão, junto aos bebedouros existiam vários bancos, de madeira, sem encostos, que serviam de oásis de transição entre o maravilhoso pátio e o pavoroso conjunto de anexos. E ali ficávamos como a cumprir pequena quarentena para, sem muito grande choque, seguirmos, já atrasados, em direção as aulas no andar inferior do inferno, os ditos anexos. E assim era diariamente, todos sentados e eu numa corrida desenfreada, saltava a derrubar quem quer que ali estivesse sentado, como num bom jogo de boliche. E foram vários strickes. E muito “cascudo” levei, e mais ainda fui “bolinado” por esse desaforo e traquinagem contra nobres colegas. E eu nunca desistia. As vezes deixava passar alguns dias, para esquecimento dos otários e sem prévio aviso, lá estava eu a dar saltos cada vez mais acrobáticos, do tipo “Salto Triplo Carpada. E mais cascudo, e mais tudo. E um dia, maldito dia, pensei que novamente a todos enganaria. Por detrás de um daqueles enormes eucaliptos, surgi feito uma flecha e saltei. Corpo erguido, mãos para frente, cabeça ereta e membros inferiores esticados. Mas desgraçadamente todos eles levantaram e eu mais desgraçadamente ainda cai feito saco de estopa, daqueles cheio de arroz, espatifado sobre a dura madeira daqueles agora infelizes bancos. A dor era tanta que comparada com a do parto natural de trigêmeos saindo no mesmo instante era brincadeira de roda. Minha cabeça rodou sobre a terra, parecendo que o mundo sobre ela desabou. Meus braços ficaram todo arranhados. Minhas pernas com grandes hematomas. Mas nada comparado as bolinhas. Essas sim muito mais que tudo sofreram e foi tamanha destruição que um galo surgiu entre elas fazendo parecer que eram três. Amarga vingança para tão inocente brincadeira desses inescrupulosos falsos amigos. Por remorso fui carregado carinhosamente até minha sala e levado em padiola humana até minha casa para durante bom tempo entre gelos, mertiolates e curativos tentar voltar a vida e poder dar alguma risada de tamanha dor que essa aventura causou.
MAS QUE BARBARIDADE!!!! MAS QUE SOFRIMENTO!!!! E viva Tiradentes, que não sofreu com eu sofri.
Jacob Chamis
Ai Jacob, estou rindo muito...
ResponderExcluirAbraço
M Helena
Eu lembro perfeitamente deste fato. Deve estar doendo até hoje.
ResponderExcluirAbraço Jacob