terça-feira, 27 de agosto de 2013

ENG° JACOB CHAMIS

Sempre na tarde de sexta-feira.
A espera já causava frisson.
Que maravilha, descer a Conde, avistar o campo e ficar no bolo de gente a jogar conversa fora.
O campo era irregular, a grama escassa, mas era nosso, o lugar sagrado de nossas peladas.
Jogo legal. Movimentação intensa. Nada no mundo interessava mais. O tempo parava durante os jogos.
Não sei quem era craque. Mas eu sempre participava, o que era muito bom. Pior seria ficar olhando, esperando furo.
Quem não era escolhido entrava durante a partida, como consolo, e por não ter ido embora.
Só o Kimura que na época era do Santa Maria, não podia jogar. No Darcilão só quem era do colégio.
E ele ingressou no Maria Rocha só por isso. Coisa de paixão por nosso campo.
Com chuva então, ficava melhor ainda.
A água a beijar o rosto, cabelos escorridos, roupa encharcada e o tombos dentro d?água. Pura alegria.
Foi num desses jogos que algo diferente ocorreu.
Perdemos um jogador. Bem assim, alguém desapareceu e demoramos a encontra-lo.
Normalmente, um chute mais forte e a bola sumia no matinho atrás do gol, mas jogador, jamais sumira.
Estádio perfeito. Arquibancada imaginária sempre lotada.
Mas e o jogador sumido. Foi o bosta do Nabor. E foi assim.
Bola no centro, inicia a partida, saída para frente, era da regra, e o recuo imediato até o beque para levantar a cabeça e dar um bago pra longe.
Bola na outra área, disputa intensa, luta feroz e a pelota, coitada, espirrada de volta ao meio do campo. A bola é jogada pra lá, pra cá, empurra, derruba, chutes nas canelas, até que alguém em disparada se desloca pela ponta gritando, passa, passa , tô livre, tô livre, já patinando no barro. Era ele, o Bosta,  correndo em disparada na direção do gol adversário, antes mesmo de receber a bola.
E aí começou o drama. Chovia muito. Água que nunca acabava. O ponteiro, nosso personagem, pesando no máximo trinta quilos, escorregou, e por ser leve feito pluma, voou. Literalmente voou em direção ao matinho atrás do gol. Alguém grita, volta seu merda, vem pro teu lugar, não te fresqueia.
E ele não voltava, o jogo transcorria e o Nabor não voltava. Segura tudo, vamos verificar. Procura ali, olha acolá, desce o barranco, entra mato adentro e então lá está ele, enfiado dentro de um buraco com lodo até o pescoço, todo lameado e arranhado.
Tira ele daí. Tira ele daí. Vendo a dificuldade, os que estavam próximos, comentam:
Deixa que pra eles, o cara é do time deles. Virou discussão, mas ninguém foi ajudar o moribundo. Ele continuava no buraco.
A discussão parou, pois ele saiu sozinho.
E todo contrariado, brabo, disse:
-Vão tomar no cu, não jogo mais, seus putos.
Deitamos rolando pelo barro rindo de tamanha fúria, mas como ele não jogava nada, podia ir embora.
Nem ia fazer diferença, o jogo até melhorou, sobrou mais espaço.
Mas o remorso tomou conta, paramos o jogo e fomos buscar nosso querido ponteiro inútil.
Ele até era legal, mas não jogava nada, era muito ruim.
Mas jogo assim, nunca mais. Não com turma tão boa. Não com tamanha alegria.

Jacob Chamis

2 comentários:

  1. Muito bom, mesmo! Acho que a AMAR poderia publicar essas crônicas, não?
    Christina Trevisan

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  2. Aceitando o desafio/estímulo da Chris de publicarmos ao final desta catarse coletiva o livro de estórias do nosso autoimposto presidente JACOB proponho a criação de um crowdfunding (palavra bonita para financiamento coletivo). Traduzindo, vamos fazer uma vaquinha para publicar estes contos tão bem contados.
    E tem que ter as fotos de todo mundo.
    Claudio Weissheimer Roth

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