NOTA: Por tanto que a vida sempre nos deu e pelo pouco que as vezes nos demos conta disso, poder estar em contado com nosso próprio interior e ver bem de frente o que tememos e do que somos capazes, certamente contribuirá para que nos tornemos pessoas melhores, menos egoístas e aptos a perceber o muito que seremos felizes pelo quanto, aos outros, desejemos nos doar. E uma solitária viagem é um bom atalho para encontrar esse bom caminho. E assim se deu comigo:
VIAGENS SEM RUMO
Viajar sempre foi excitante. Sair sem saber onde ir, uma utopia. Chegar onde se deseja, a realização de um sonho. Em muitas férias a aventura surgia como alternativa excelente para descobrir nossa capacidade de enxergar o mundo de um modo diferente, através do mesmo olhar, surgindo frente aos olhos que nos permite tudo ver. E viajar pedindo carona foi algo emocionante antes de acontecer, solitário durante sua ocorrência e realizador depois do seu final.
E tudo começou quando, com uma mochila nas costas, numa época que para os pais filhos são protótipos cheios de curiosidades, buscando viver tudo o que ainda não foi visto e querendo enxergar tudo aquilo que ainda não foi vivido, senti certa vez vontade de ser intérprete do meu próprio filme, atuando, produzindo e dirigindo o que parecia ser uma película repleta de emoção, divertimento, ação e principalmente, como desfecho, ter um final feliz.
Pausa para reflexões (atendendo vários pedidos):
A vida é cópia fiel do provérbio, luso tailandês que diz que tudo sempre acaba bem e se não está bem é porque ainda não acabou. Se consideramos o final da vida como o fim do maior filme que cada um protagoniza, e seu desfecho com o evento da morte, refletindo e tentando compreender esse fato, devemos considerar que, por incrível que pareça, ou será um feliz final para quem, em processo de sofrimento, encontra a paz tão desejada, ou mesmo para quem tem uma vida extraordinária, a sua própria morte também proporciona um máximo momento de êxtase por transportar por todo o corpo energias escondidas e reações químicas que proporcionam um epílogo digno de uma super produção. Não estou referindo do ponto de vista de quem fica, pois quem parte deixa a saudade e a dor para quem, desesperado, passa a sentir a enorme perda. Então conclui-se que a busca do final feliz sempre presenteará todos os que nele acreditarem. E acreditem pois será a mais confortadora das verdades, o melhor do epílogos.
Final da pausa e regresso ao set de ações:
E voltando a viagem, seguimos nela. Em uma mochila coloca-se o básico e o que realmente será útil nessa empreitada. Por pouco espaço, nada supérfluo será companheira de viagem. E em busca do caminho que se irá seguir, enchendo-se de vontade, coragem e otimismo, aguardamos no melhor local aquele que nos levará para um ponto mais próximo de onde queremos chegar, como num jogo de golfe que cada tacada coloca a bola mais próxima do buraco final. E particularmente, no meu caso, quem primeiro surgiu, ali pelas bandas do Clube Minuano, onde alguém me soltou, foi um enorme e confortável caminhão de melancias onde me instalei confortavelmente em sua cabine. E por muita sorte iria a São Paulo e estava disposto a me levar junto até esse seu destino final. O meu destino um pouco mais longe, onde pudesse alcançar uma praia para, igualzinho a um filme, deitar na areia sob um coqueiro, conhecer gente, conquistar gurias bonitas e ser convidado para festas e churrascos por veranistas mais abastados. Ledo engano, pior a realidade que o sonho. E tudo já começou na viagem, pois pensando dormir num rede emprestada pelo caminhoneiro imaginei descansar confortavelmente nela, protegido sob o caminhão, enrolado nessa rede por ele cedida. Não foi assim, dormi sobre as melancias, passei frio e para piorar, choveu. Somente restou entrar para baixo da lona e agradecer aos céus por não ter sido pior. E se fosse um carregamento de pregos, ou arame farpado? Por isso aprendi que para uma boa história de aventuras a busca pela próxima emoção é o objetivo de todo o elenco de qualquer filme, no caso eu sozinho era todo o elenco desse filme imaginário. No outro dia, sol a pino batendo na lona e aquecendo, já no inicio da manhã, aquele que tinha sido uma das piores noites que o mocinho da película tinha vivido. Mas quem sabe muitas surpresas estivessem reservadas para esse novo dia, quem sabe. E arrancamos rumo ao destino final de nossa viagem, São Paulo. Dia inteiro viajando, algum divertimento com as conversas sobre a vida de meu ilustre condutor. Mas passado esse dia, apenas comendo estrada, nos aproximamos da capital paulista no inicio da noite. E até percorrer os vários quilômetros que nos separava do final da viagem, algumas horas ainda restavam passar. E por volta meia noite a terrível e desconcertante realidade: o caminhão iria para a Ceasa e eu teria de descer por ali mesmo e a partir de então me virar sozinho. Não foi fácil e custou cair a ficha de que o que podia ficar pior, piorou. Para onde ir? Que rumo tomar? O que fazer? E que saudades das melancias, pois aquilo sim que era conforto. Agora era tudo desconhecido, imprevisto e incerto. Mas não tinha jeito. Descer era a ordem e seguir para qualquer lado a opção. Agarrado as alças da mochila que, parecendo saber de meu medo, se prendiam cada vez mais forte as minhas costas, tentei seguir algum caminho. E o primeiro passo é o pior, e a confrontação com o desconhecido aterrorizante. E na calada da noite, quase madrugada a alternativa era achar um ponto de ônibus e parecer estar aguardando um para, quem sabe, descobrir uma saída que até então estava longe de surgir. E não é que surge um coletivo. O mais belo e acolhedor ônibus que eu poderia sonhar. Fiz sinal e ele parou. O som do hidráulico recolhendo a porta, abrindo caminho para meu ingresso, mais parecia um canto de sereia e o interior do veículo uma limusine feita especialmente para meu conforto. E o bom da vida é constatar que tudo pode ser tudo quando na verdade é um grande nada. De uma situação desesperadora e solitária, uma euforia e segurança em um simples transporte coletivo, que para tantos é martírio, desconforto e cansaço. Para mim aquilo era com o abraço do melhor amigo. Nada mais seria preciso naquele momento. Mas passado o instante bom, a pergunta era para onde ele vai e, para piorar, para onde eu vou? E percebo que existiam apenas três pessoas no seu interior, o motorista, o cobrador e um único passageiro. Subo pela porta traseira, tiro alguns trocados do bolso para pagar e aproximando do cobrador pergunto, como única alternativa que sobrou, onde ficava e como chegar na rodoviária. Ele deu de ombros e falou que morava há pouco em "Sumpaulo", era do Ceará e nada conhecia. Mas, prestativo, gritou ao motorista repetindo a ele minha pergunta. E por azar sua resposta foi um solene "não sei, pois esse ônibus nem vai para aquelas bandas". Então estou perdido. Então terei que vagar a noite inteira sem nenhum chance de dormir, ter segurança e um sentir um bom acolhimento em qualquer lugar que fosse. Mas minha aflição pouco durou, pois o único passageiro, erguendo sua voz falou que iria para a rodoviária, pegaria outro ônibus e que eu deveria acompanhá-lo para que chegássemos juntos ao nosso destino. No primeiro momento, medo, desconfiança e temor. Num segundo descontração, conforto e segurança, pois o sujeito era um bom gaúcho, família do Alegrete e trabalhava nos Correios, transferido de Porto Alegre para a capital paulista. Que feliz coincidência, que alento e que alegria. E fomos de mala e cuia a desbravar as ruas da cidade e a bordo de outro coletivo, olhar as luzes da cidade e parecendo grandes amigos senti novamente o prazer de estar estrelando aquele filme que iniciara lá na minha cidade no interior do Rio Grande.
E acomodado num banco de rodoviária consegui sentir como se estivesse numa grande suíte de um luxuoso hotel e todos os noctívagos que por ali passavam pareciam bons companheiros de uma mesma aventura qualquer em busca de conforto, companhia e algum prazer que aquele local pudesse proporcionar. Noite dos deuses, vida de rei, e um filme caminhando para seu melhor epílogo por ter dado tudo certo a medida que eu estava feliz com o pouco que restou, pelo muito que me sentia e pela plenitude de estar vivendo uma grande e emocionante experiência para quem, estando tão longe de casa, nem havia ainda chegado a maioridade e viajava com autorização escrita dos pais reconhecida em cartório.
Quanto a esperança de encontrar uma guria bonita, ser convidado para festas e churrascos por veranistas mais abastados, passou a um segundo plano, pois na vida as coisas valiosas são as que agregam experiências, proporcionam algum crescimento e nos colocam frente a frente com nosso interior para, descobrindo medos e fraquezas, chegar sempre inteiro e completo a qualquer lugar, não importando o que será encontrado, mas como estaremos quando encontrar e, o mais importante, estar inteiro, totalmente contatado dentro de si. E rumando para frente, nova estrada surgiu, mas isso é outra história. MAS QUE COISA BEM DE LOUCO TCHÊ. QUE BAITA BARBARIDADE!!!!!!!
Jacob Chamis
Fração
ResponderExcluirLembro dessa tua viagem. Não foi nessa ocasião que aconteceu um fato interessante contigo na penumbra de uma boate?
Jacob, bela narrativa. Se o Fração liberar, tu podes contar a história dele.
Abraços
Luis Carlos Werberich
Werberich,
ResponderExcluirA noite na penumbra de uma boate, que lembro muito bem, foi numa outra ocasião com o nosso amigo Enio!!! Imagino que ele deve lembrar muito bem, mas está é outra história e esta sim, merece uma narrativa do Jacob!!!
Foi a minha primeira vez numa boate (Cabaré definiria melhor o lugar!!), conduzido pelo amigo Enio – não fiz nada (sexualmente falando) e ainda sai corrido por um baixinho de arma em punho. Lembra desta Enio?
Abs Fração